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Black Chefs Matter

Neste final de semana nosso chef de cozinha, Ademir Junior, será uma das estrelas do evento Mesa de Cinema. Confere abaixo a matéria escrita pela jornalista Rejane Martins, produtora do projeto.

Lugar de negro ou Black chefs matter

Um evento sensível como o Mesa de Cinema chama a atenção em setembro com uma edição protagonizada por chefs negros. A partir do filme Alimento da Alma (Soul Food, EUA, 1997), que tem a peculiaridade de ter um elenco 100% preto, veio a ideia de destacar o talento de chefs com ascendência africana. Assim, três chefs foram convidados para brilhar nesta edição levando aos participantes sua herança, sua história, representadas por pratos inspirados no filme. Ademir Júnior, de Pelotas, atua em Novo Hamburgo e vai atender Porto Alegre e Vale do Sinos. Aline Chermoula, baiana, cozinha em São Paulo, e Célia Aleixo assina os pratos no Rio. Três negros, três vidas que muito nos importam.


Ademir Júnior

Criado há 15 anos, o Mesa de Cinema foi plagiado e copiado sem pudores e sem disfarces, por grandes e pequenas empresas, mas nenhuma consegue copiar a originalidade da produção. Não foi diferente nestes tempos pandêmicos. Canceladas as edições presenciais, o evento migrou para o formato on-line. A magia de tirar os pratos da tela para a mesa e de conversar sobre um filme depois de assisti-lo segue se realizando mensalmente, agora, na casa das pessoas. A inspiração vem de filmes em que a comida brilha e “atua” como um personagem.

Durante o isolamento social provocado pela pandemia do Coronavírus, o evento é recebido como alento, atenuando os reflexos psicológicos da reclusão com momentos de conexão, reflexão e carinho on-line. A seleção de títulos para inspirar os pratos leva em conta esse momento. Leveza, emoção e atualidade são critérios que propiciaram a escolha de filmes como Lunchbox, À Moda da Casa, Os Sabores do Palácio, Comer, Beber, Viver e, agora, Alimento da Alma. Este último surpreende ao trazer o tema do protagonismo negro em oposição ao racismo e suas decorrências, que ganharam mais visibilidade e atenção da mídia nos últimos meses.

Vamos para a cozinha do filme. Vamos para um lugar de negro. Por muito tempo esta foi (e é) uma das desagradáveis expressões que caracterizam o racismo estrutural no Brasil. “Lugar de negro é na cozinha”, uma herança escravocrata, marcando a presença preta na casa grande desde que não ultrapassasse os espaços de serviço.

A cozinha era a principal área na qual o misto de reclusão e subserviência imperava. E foi ali que se criaram belos pratos e talentos (as boas mãos para fazer isso e aquilo como ninguém). Das sobras do que não era bom para os brancos, surgiram o mocotó e a feijoada, da influência portuguesa globalizada pelo mercantilismo e miscigenada com a indígena vieram as adaptações de sarapatel, moqueca, bobó e vatapá, entre tantas outras iguarias à moda brasileira.

Apesar da presença histórica, hoje não se vê representantes de ascendência africana em destaque na cena gastronômica brasileira. Nos reality shows, por exemplo, temos os chefs franceses de estirpe como Claude Troisgros e Emmanuel Bassoleil. Em outro formato, enaltecendo a cozinha descomplicada, destacam-se a beleza caucasiana de Rodrigo Hilbert e Rita Lobo, esbanjando charme e receitas sem usarem o título de chefs. E será que, num país de maioria negra e parda como o Brasil, a gente não encontraria um cozinheiro ou chef negro com o mesmo poder midiático? A resposta é sim. Os exemplos são muitos: Andressa Cabral e João Diamante no Rio, Aline Chermoula e Léo Filho, em São Paulo. Mamadou Sène e Fabricio Goulart, em Porto Alegre. E cito esses nomes sem pesquisar muito. Se pesquisasse, com certeza muitos outros nomes de chefs negros viriam. Por que eles não aparecem afinal?

Tal invisibilidade bloqueia nossa garganta. Em minha mente, surge o apelo sofrido e ignorado de um dos tantos Georges Floyds, mortos sob o joelho de um prepotente policial branco que lhe cortou o ar. Nós, negros e negras de todo o mundo, precisamos respirar. Todos os dias, a cada minuto, a cada segundo. Nós precisamos ocupar espaços que são nossos. Seja na cozinha, na mídia, na política, na escola… Lugar de negro é na cozinha e onde mais ele quiser.

SERVIÇO

Mesa de Cinema Protagonismo Negro

Filme: Alimento da Alma (EUA, 1997)

Valor por pessoa: R$ 130

Link para compra: https://www.sympla.com.br/mesa-de-cinema-on-line-5-alimento-da-alma__955935

Informações: mesaprodutora@gmail.com ou 51 98029 1235